sábado, 31 de outubro de 2020
sonho²
Te sonhei e te sonhei
em sonho de noite funda
sonho de uma noite de primavera
sonhei com um sonho
teu nariz e teu nariz
sexta-feira, 30 de outubro de 2020
FLORBELA ESPANCA - Ser Poeta
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
É URGENTE O AMOR - EUGÉNIO DE ANDRADE
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.
quinta-feira, 29 de outubro de 2020
Só
Eu, braço, e tu, abraço, era som, mas, sem tua voz, só, só sombra na parede, e tua era rede, de deitar e ver o Sol se pôr
quarta-feira, 28 de outubro de 2020
A noite dissolve os homens [Carlos Drummond de Andrade]
Já não enxergo meus irmãos.
E nem tão pouco os rumores
que outrora me perturbavam.
A noite desceu. Nas casas,
nas ruas onde se combate,
nos campos desfalecidos,
a noite espalhou o medo
e a total incompreensão.
A noite caiu. Tremenda,
sem esperança… Os suspiros
acusam a presença negra
que paralisa os guerreiros.
E o amor não abre caminho
na noite. A noite é mortal,
completa, sem reticências,
a noite dissolve os homens,
diz que é inútil sofrer,
a noite dissolve as pátrias,
apagou os almirantes
cintilantes! nas suas fardas.
A noite anoiteceu tudo…
O mundo não tem remédio…
Os suicidas tinham razão.
Aurora,
entretanto eu te diviso, ainda tímida,
inexperiente das luzes que vais acender
e dos bens que repartirás com todos os homens.
Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações,
adivinho-te que sobes, vapor róseo, expulsando a treva noturna.
O triste mundo fascista se decompõe ao contato de teus dedos,
teus dedos frios, que ainda se não modelaram
mas que avançam na escuridão como um sinal verde e peremptório.
Minha fadiga encontrará em ti o seu termo,
minha carne estremece na certeza de tua vinda.
O suor é um óleo suave, as mãos dos sobreviventes se enlaçam,
os corpos hirtos adquirem uma fluidez,
uma inocência, um perdão simples e macio…
Havemos de amanhecer. O mundo
se tinge com as tintas da antemanhã
e o sangue que escorre é doce, de tão necessário
para colorir tuas pálidas faces, aurora.
[Sentimento do mundo]
terça-feira, 27 de outubro de 2020
Dante
"O amor que move o Sol e as outras estrelas"
"l'amor che move il sole e l'altre stelle."
último verso de "A divina comédia", de Dante.segunda-feira, 26 de outubro de 2020
abraço
No começo era o verbo
o verbo, então, abraçou o particípio
inventou, o verbo, o abraço
Por isso abraço o verbo
domingo, 25 de outubro de 2020
sábado, 24 de outubro de 2020
sexta-feira, 23 de outubro de 2020
Sobre lendas e ditados
Reza a lenda que a lenda reza é pra bater esquina contigo. E diz o ditado que o ditado diz é do teu umbigo. Conta o conto que o conto conta é as horas até poder discorrer sobre teu cotovelo. Ou me contar, ou me dizer, cochichando, em oração, segredos de tua orelha esquerda.
quinta-feira, 22 de outubro de 2020
Hilda Hilst
I
Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo.
Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei. E há um tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.
II
Ama-me. É tempo ainda. Interroga-me.
E eu te direi que o nosso tempo é agora.
Esplêndida altivez, vasta ventura
Porque é mais vasto o sonho que elabora
Há tanto tempo sua própria tessitura.
Ama-me. Embora eu te pareça
Demasiado intensa. E de aspereza.
E transitória se tu me repensas.
III
Se refazer o tempo, a mim, me fosse dado
Faria do meu rosto de parábola
Rede de mel, ofício de magia
E naquela encantada livraria
Onde os raros amigos me sorriam
Onde a meus olhos eras torre e trigo
Meu todo corajoso de Poesia
Te tomava. Aventurança, amigo,
Tão extremada e larga
E amavio contente o amor teria sido.
IV
Minha medida? Amor.
E tua boca na minha
Imerecida.
Minha vergonha? O verso
Ardente. E o meu rosto
Reverso de quem sonha.
Meu chamamento? Sagitário
Ao meu lado
Enlaçado ao Touro.
Minha riqueza? Procura
Obstinada, tua presença
Em tudo: julho, agosto
Zodíaco antevisto, página
Ilustrada de revista
Editoria; de jornal
Teia cindida.
Em cada canto da Casa
Evidência veemente
Do teu rosto.
quarta-feira, 21 de outubro de 2020
pá pum
pá pum, palavra sumiu, iu, foi, caçar teu mindinho, espiar de mansinho, em dia nublado, teu Sol de sorriso
terça-feira, 20 de outubro de 2020
segunda-feira, 19 de outubro de 2020
domingo, 18 de outubro de 2020
sábado, 17 de outubro de 2020
sexta-feira, 16 de outubro de 2020
quinta-feira, 15 de outubro de 2020
sobre lambidas e poemas
lambo o poema
como minha gata lambe as patas
de novo e de novo
ela por vezes usa a pata lambida pra lavar o rosto
que a língua não alcança
o poema lava a alma
alcança partes que só ele poema pode alcançar
e mira para além de meus dedos
o poema também mira lamber alma que não a minha
Hilda Hilst
“Nós, poetas e amantes
O que sabemos do amor?
Temos o espanto na retina
Diante da morte e da beleza.
Somos humanos e frágeis
Mas antes de tudo somos sós.”
quarta-feira, 14 de outubro de 2020
An Adventure - Poem by Louise Gluck
to which I had long been a slave. Finished with love?
my heart murmured. To which I responded that many profound discoveries
awaited us, hoping, at the same time, I would not be asked
to name them. For I could not name them. But the belief that they existed—
surely this counted for something?
2.
The next night brought the same thought,
this time concerning poetry, and in the nights that followed
various other passions and sensations were, in the same way,
set aside forever, and each night my heart
protested its future, like a small child being deprived of a favorite toy.
But these farewells, I said, are the way of things.
And once more I alluded to the vast territory
opening to us with each valediction. And with that phrase I became
a glorious knight riding into the setting sun, and my heart
became the steed underneath me.
3.
I was, you will understand, entering the kingdom of death,
though why this landscape was so conventional
I could not say. Here, too, the days were very long
while the years were very short. The sun sank over the far mountain.
The stars shone, the moon waxed and waned. Soon
faces from the past appeared to me:
my mother and father, my infant sister; they had not, it seemed,
finished what they had to say, though now
I could hear them because my heart was still.
4.
At this point, I attained the precipice
but the trail did not, I saw, descend on the other side;
rather, having flattened out, it continued at this altitude
as far as the eye could see, though gradually
the mountain that supported it completely dissolved
so that I found myself riding steadily through the air—
All around, the dead were cheering me on, the joy of finding them
obliterated by the task of responding to them—
5.
As we had all been flesh together,
now we were mist.
As we had been before objects with shadows,
now we were substance without form, like evaporated chemicals.
Neigh, neigh, said my heart,
or perhaps nay, nay—it was hard to know.
6.
Here the vision ended. I was in my bed, the morning sun
contentedly rising, the feather comforter
mounded in white drifts over my lower body.
You had been with me—
there was a dent in the second pillowcase.
We had escaped from death—
or was this the view from the precipice?
segunda-feira, 12 de outubro de 2020
ora
De todas as horas
a hora
ora
eu quase que te guardo um poema
como quem guarda um pedaço de bolo de aniversário
mas come uma beiradinha
eu quase que trago um verso
em um gole
ou em uma mordida
eu quase que mordo o verso
pensando tua orelha
domingo, 11 de outubro de 2020
sábado, 10 de outubro de 2020
sexta-feira, 9 de outubro de 2020
CAPS LOCK
palavra alheia ou meu chamego com a palavra? à la carte, ou carta de amor, rodizio de verbo pra dizer do teu joelho, fila indiana, eu na fila, na fita, mp3, trilha sonora, tonitroante, eu na esquina gritando teu nome, nem que seja em verso, COM CAPS LOCK
quinta-feira, 8 de outubro de 2020
quarta-feira, 7 de outubro de 2020
terça-feira, 6 de outubro de 2020
coaxar
viro sapo, coaxo, em poema de Bandeira, te dou bandeira, e quem fala isso ainda hoje em dia? eu te digo, oras, a mim, que não sou príncipe, resta poemar, em Bandeira, ou Bilac, se além do devaneio, parnaseio, por ventura, em minha aventura de sapo cururu, da beira do rio, de janeiro a dezembro, de Caruaru a Juazeiro, eu coaxo e coaxo, e acho é pouco, que da altura de um sapo consigo ver teu tornozelo.
segunda-feira, 5 de outubro de 2020
domingo, 4 de outubro de 2020
sábado, 3 de outubro de 2020
sexta-feira, 2 de outubro de 2020
poema da face da meia-noite
Quando brinquei de nascer, um anjo sombra
desses que vivem tortos
disse: vai, Orlando! ser guache na vida.
não mudei meu nome pra Raimundo
não encontrei solução
mas tentei rimar
colorir verso
com as cores do sorriso de Fulana
até misturei poema
de lua em Lua
vesti terno de vidro
e até experimentei conhaque,
mas me comovi sem esse trem.
quinta-feira, 1 de outubro de 2020
Luneta
Há um tantinho de loucura no amor. Bukowski diria mais, mas não sou Buka. Há no ridículo, quiçá admirado, algo que fora da intimidade soaria tresloucado. O mal-estar civilizacional alardeado por Freud ganha uma folguinha na permissão do par para que se extrapole as fronteiras do que se mostra como fachada de alvenaria em bairro residencial de família. Nelson Rodrigues adorava justamente o que se apresenta por detrás dessa dita fachada. Os gostos de porta fechada ou no máximo entreaberta. Essa loucura que por vezes não confessamos nem a nós mesmos, receosos de que o espelho responda, como o da bruxa da Branca de Neve, sinal de que aí estaríamos assumindo o desvario. Adorando o desvario, por vezes. O amor é uma brecha pra outra pessoa espiar. É luneta pro mundo da Lua alheio.