segunda-feira, 8 de julho de 2019

Como se escrevem as saudades

Tem quem escreva saudade com "J" de João Gilberto, cantada baixinho e em tom de nó na garganta. Pra uns tem as cores da infância, de poema do romantismo. Ou saudade se sonha, em Pessoa, e é doença do mistério da vida, em outros dominós. Vai ver é de uma terra imaginária, Macondo ou Pasárgada, quiçá. Por isso saudade é plural, começa e termina por "s". E a minha, ou as minhas, como me atrevo a esboçar? Escrevo em meio-fio, no frio, pra rimar, que a vida nem sempre rima, mas há de se remar, navegar, que é preciso escrever, e cada poema é um tantinho de saudade, engarrafada e lançada ao mar, oração, de ateu que não sabe mais rezar. Se eu soubesse, desenhava uma saudade. Tenho saudades, pois, do desenho de que não sou capaz, e escrevo, então. Escrevo pra ir além da esquina. Tatear um nariz. Escrevo pra que as palavras me façam companhia em nossas saudades. Sim, porque elas também, as palavras, sentem falta, pois elas se apegam, a maçãs queridas ou joelhos desejados. E a noite é longa. E as saudades são companheiras da noite.

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