domingo, 30 de agosto de 2020

Unhas - Nicolas Behr

 


Descuido

 As horas de descuido são as horas em que o pensamento cuida de dizer o que o pensamento esconde, em pique-esconde. Conto até 30 na esquina. Espio um tantinho na altura do 19. Só um tantinho, suficiente pra ver teu decote. Pronto. O pensamento passeou. 

sábado, 29 de agosto de 2020

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Perco a hora

Perco a hora.

Perco a hora.

A hora, no entanto, me acha.

E é tempo de fazer verso.

Tempo de Júpiter e Saturno no céu.

Janela astral pra espiar tua silhueta.

Desenhar uma cantada às tuas sobrancelhas.

Aproveitar, pois, que a hora me achou.

E pedir, assim, dois minutinhos com tua orelha esquerda.

Só pra construir constelações.

Só pra reinventar o tempo.

Em big-bangs que hão de ganhar tradução.

Em traduções que hão de querer dizer dos teus lábios.

This is it!


 

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Looping

 Da celebração de cada palavra mergulhada em amor, se cada palavra é expressa como deve ser, em sentença que beije a bochecha e abrace apertado, de tal celebração, o sentido da hora, a condição de existir fora do looping, ou, até, desejar o tal looping, encontrado o traquejo da palavra, e a vontade de embrulhá-la em papel de pão de queijo, em um daqueles dias em que a sorte finalmente faz por onde e se chega à padoca quando o pão de queijo acaba de dar o ar de sua graça.

Rawr!


 

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

terça-feira, 25 de agosto de 2020

Perto

 

Cajuína

 e se te gosto mais que cajuína

essa menina, cai na minha rima

rima comigo

beija comigo

até comigo virar rima rica

a gente fica

dona menina

provando o mundo, e uma cajuína



segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Nada, esta espuma - Ana Cristina Cesar

Por afrontamento do desejo
insisto na maldade de escrever
mas não sei se a deusa sobe à superfície
ou apenas me castiga com seus uivos.
Da amurada deste barco
quero tanto os seios da sereia.

Ana Cristina Cesar

Leminski - Cidade, ou megalópole

 

domingo, 23 de agosto de 2020

Quarto

 roubo, a Drummond, a Neruda, verso e meio, meio verbo, um quarto de adjetivo, e te chamo, já, pro tal quarto, já que o adjetivo é teu, sejamos cúmplices, tu e eu, num quarto de adjetivo, 2046, vista pra Tabacaria de defronte, meio verbo a conjugar, em tabuletas, na tabuada do dois 

Coração vagabundo

 

sábado, 22 de agosto de 2020

Sobre ditados

Escrevo teu nome, com palitos de dente, nos pires das xícaras em cafés que vou desvendando. Nessa cidade, busco tua sombra em cada sombra de árvore. Deve de haver um ditado sobre sombras de árvore, em algum lugar. Nos dias em que o céu brinca de azul, cada sombra de árvore é um convite a imaginar teus tendões.

L'ombre de ton ombre

 

playlist infinita

 

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Plágio

 Sou plágio de mim, 

quando adoro teus joelhos, 

em ode de quase meia-noite, 

hora em que o poema sai da toca

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Sonho cubista

 De meus sonhos cubistas, tu salta, e é sal no meu feijão, tempero, tempo que faz os ponteiros buscarem apontar pro teu nariz, até o do segundo, depois de mim, por certo que o sonho é meu, e nele sou o primeiro humano nessa via dita Láctea a escrever um milhão de poemas endereçados a um par de joelhos, que pairam no meu ar de boquiaberto, rezando pra que o sonho, e os ponteiros, e a Via Láctea, me deem dois minutinhos da tua boca em obra pós-modernista, que vence meu solipsismo com o Sol do  teu sorriso. Eita.

Strawberry Mountain - You Were in My Dreams Tonight

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Emendar

 De música em música, emendo um dia no outro, toco com as pontas dos dedos a madrugada, em teclas que suspiram comigo, enquanto ouvimos Smiths e imaginamos como transformar um dado par de tornozelos em um punhado de palavras. 

domingo, 16 de agosto de 2020

Leite-moça

 












Leite-moça

desembesto

besta eu, não

moça-moça

maçã-moça

tô na tua

lata

nata

macieira

beira

eira

ei

Que fazer? Que fazer? Que fazer?

 

sábado, 15 de agosto de 2020

Padaria

 Por simples compostura, da última vez em que nos vimos, não disse de minha vontade assoladora de lamber os teus dedos.  A metafísica que rege essa e tantas outras sociedades ignora os anseios de padaria. E eu talvez fosse por demais acabrunhado para esparramar na mesa todas as minhas cartas. As de amor, talvez, mas com que cara você me olharia depois de contemplar, quiçá estarrecida, essa minha máscara que escapa da sombra um tantinho? Um alçapão se esconde por trás de cada palavra já escrita na história da humanidade. As minhas carregam facetas, de janelas reais e virtuais. Em meu teclado já dançaram tantos desejos que a própria cor rubra talvez ficasse vermelha ao caminhar por esse caminho de teclas e pensamentos. Não, jamais escrevi um poema de Drummond, mas fiz da palavra o que ela me permitiu que fizesse, como um infante que se confessa e descobre mais adiante, boquiaberto, que a palavra é também afrodisíaco, como quem descobre que a sombra também é Dionísio, como quem imagina funções para a orelha que extrapolam o dicionário. Sim, minha grande vontade era extrapolar o dicionário com teus dedos.

Miguel Hernández

 

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Leitura de Matilde Campilho no RHI

fundo do mundo

 De minha janela

do fundo do mundo

eu fundo um poema

eu ergo um castelo

de suspiros

por teu calcanhar


Más linda

 

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

corre, corre da meia-noite

 Despista o ponteiro

pois

e foge da meia-noite

abraça a noite-toda

que toda noite eu sonho

tua orelha

seguida ou precedida de um ou mais adjetivos

incluídos aí os que crio

brincando de Guimarães Rosa

plantando a rosa drummondiana

apelidando a rosa shakespereana de teu calcanhar

terça-feira, 11 de agosto de 2020

sobre o pão de queijo como geopolítica

 O Brasil não cabe no Brasil. É preciso expandir as linhas que cercam nosso imaginário. Não pra leste ou para o Sul, mas pra cima, para o céu, do condor e do avião, do pão de queijo.

Mexerica

 Em agosto, escrevia uma peça sobre tuas pernas, bacana, catalogava meus percalços e flertava cabulosamente com a ideia de que, se eu conseguisse descascar uma mexerica do jeito certo, tu brotaria, feito verso, bem no meu sofá, como se a mexerica fosse a lâmpada do Aladin, e o universo conservasse um atalho a ser desvendado por palavras e mexericas, tangerinas, bergamotas e quantos nomes tu tivesse na caixola. Por vielas e viadutos transitavam tuas pernas, e dançavam pelo meu teclado. Escrever, pois, era um ritual de tato. Era desenhar com palavras. O atalho do universo fazia as vezes dos caminhos de Roma, em papiro ou caneta, pincel ou filme kodak. A rosa de Shakespeare, que tivesse tantos nomes quanto ponkan, alcançada no atalho, via lápis da Faber Castell ou roteiros do Kaufman, cartas de amor ou quadros de Dalí. Desaguaria, eu, em tuas místicas pernas, salvo por alguma palavra e encaminhado por peça, bergamota em mãos e sonho na alma.

"O Brasil são mil ideias"

Fiquei de Cara

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

palavras cruzadas

 Em minhas palavras cruzadas

eu cruzava o ribeirão

pra lá de Catanduva

catava coquinho

sonhava teu cotovelo

velava teu sono

completava coluna com palavras de amor

preenchia o vazio com verso

e a dica de cabeça pra baixo era teu nariz 

domingo, 9 de agosto de 2020

Prefácio - Manoel de Barros

Luis Fernando Veríssimo


“Uma poesia
Não é feita com palavras.
A poesia já existe.
A gente só põe as palavras em
volta para ela aparecer
_ como as bandagens do
Homem invisível, lembra?"


(Luís Fernando Veríssimo, in "Poesia numa hora dessas?!")

sábado, 8 de agosto de 2020

Garcia Marquez - lejos

 

Sobre céus, edição e mirar

 O céu se estende até a curva do teu calcanhar

Edito o poema, até que alcance os céus

E aí entendo o porquê do plural

O poema mira (e sempre mirou) o da tua boca

Também

E será que há sete céus, como sete mares?

Um céu pro teu nariz, pois

E um para o umbigo

O poema mira os céus

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Um tantinho


Todavía - Mario Benedetti

No lo creo todavía
estás llegando a mi lado
y la noche es un puñado
de estrellas y de alegría

palpo gusto escucho y veo
tu rostro tu paso largo
tus manos y sin embargo
todavía no lo creo

tu regreso tiene tanto
que ver contigo y conmigo
que por cábala lo digo
y por las dudas lo canto

nadie nunca te reemplaza
y las cosas más triviales
se vuelven fundamentales
porque estás llegando a casa

sin embargo todavía
dudo de esta buena suerte
porque el cielo de tenerte
me parece fantasía

pero venís y es seguro
y venís con tu mirada
y por eso tu llegada
hace mágico el futuro

y aunque no siempre he entendido
mis culpas y mis fracasos
en cambio sé que en tus brazos
el mundo tiene sentido

y si beso la osadía
y el misterio de tus labios
no habrá dudas ni resabios
te querré más
todavía.


Mario Benedetti

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

brincadeira



















hoje a Lua brinca de ser bonita
eu brinco de fazer verso
os versos brincam de cochichar safadezas singelas em teu ouvido
e tu brinca de fazer inveja à Lua

(foto de Hugo Barreto)

PGM 640 - Nada é verdadeiramente... - 26/11/2013

domingo, 2 de agosto de 2020

a festa dos sentidos²

sinto o gosto do pão de queijo, mordo a hora, a hora, e a hora me morde, trajada de teu perfume, arranca um quinhão, prepara um quentão, que eu bebo é teu beijo, eu beijo é teu queixo, me queixo da hora de novo, que é curta, que o quinhão foi pequeno, que mordo  a mordida e morro é no tato de me consumir em tempo, em tempo, já, de olfatar tua nuca, paladar teu nariz e sonhar teu umbigo, eu brigo, de novo, com a hora, e horo, e oro, até que o sentido do teu relógio seja a festa dos meus sentidos.

a festa dos sentidos

De todas as minhas abstrações, percursos inusitados da caixola num domingo à tarde, de todos os meus atalhos do verso, das ruelas que a palavra toma quando distraída, da carriola de suspiros emancipados, dos deslizes do inconsciente, do semi-sorrir enquanto brinco de amarelinha por calçadas alheias, de todas as horas que fogem aos ponteiros...  de tudo isso, o encontro de meu pensamento com tua cintura, e, para além disso, o inefável, que o tato por vezes permeia a palavra, impregna o pensamento, povoa o sonho, ativa o paladar, liberta o olfato e há, então, a festa dos sentidos.

Um só Drummond e Cinquenta Cruzados Novos




"Desprendido de imagens que se rompem a um capricho dos deuses, tu regressas ao que, fora do tempo, é tempo infindo, no secreto semblante da verdade."

Trecho do poema "Prece de um Mineiro no Rio", do imenso Carlos Drummond de Andrade, presente na nota de Cinquenta Cruzados Novos.

sábado, 1 de agosto de 2020

para uma nova gramática - Viviane Mosé

imaginei um sentimento água. um sentimento árvore. uma agonia vidro. uma emoção céu. uma espera pedra. um amor manga. um colorido vento sul. um jeito casa de ser. uma forma líquida de pensar. uma vida paredes. uma existência mar. uma solidão cordilheira. uma alegria pássaro em chuva fina. uma perda corpo.
acho que hoje acordei semente. tenho andado muito temporal. minha irmã vive um momento tudo. a vida às vezes transborda pelos poros. me atinge um estado livro. aurora meus joelhos. tem pessoa ponte. algumas carregam a gravidade nas costas. já conheci gente buraco negro. eu amo o instante limo. tem um branco em mim. a vida me urca. sofro de saudade anônima. palavras me beijam a boca.


Viviane Mosé