quarta-feira, 15 de julho de 2020

Álvaro Alves de Faria

POEMA 30


Sou um poeta em via de extinção,

daqueles que acreditavam no sonho,

sobretudo na poesia.


Daqueles que utilizavam as palavras para escrever

e nesse exercício solitário deixavam que a vida

escorresse no poema.


Sou um poeta em extinção,

ridículo como uma carta de amor,

tipo que se emotiva à toa

a qualquer pretexto para sentir-se só.


Daqueles que de alguma maneira

passeavam com animais imaginários

e guardavam uma ovelha no quarto.


Daqueles que às manhãs acreditavam num novo dia

e aguardavam a tarde chegar conversando com as formigas.


Daqueles poetas que não existem mais

porque a poesia mudou

e se antes vivia nas sombras

era sua descoberta que importava.


A poesia pertencia à vida do homem,

dos bichos, das plantas e das pedras,

mas hoje isso é sonhar demais.


Tanto sonho não cabe mais na cabeça de um poeta,

só nos que estão em via de extinção,

daqueles que iam à igreja para esconder-se do mundo

sem saber que a igreja é o esconderijo de Deus.


Nas madrugadas era possível falar-se sozinho,

mas hoje a boca se fecha inerte

ao passar das horas paradas nos relógios.


Sou daqueles poetas que já morreram

pedindo pela liberdade

quase sempre ferida a golpes perversos

da força e da crueldade.


De tal forma

que não há mais lugar para poetas assim,

senão o resto da sina

não de seguir,

mas de parar nas esquinas

sem perceber os sobressaltos.


Álvaro Alves de Faria
De “Babel”, 2007

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