sábado, 26 de setembro de 2020

Saramago em Cadernos de Lanzarote

"Quem lê poesia, lê para quê? Para encontrar, ou para encontrar-se? Quando o leitor assoma à entrada do poema, é para conhecê-lo, ou para reconhecer-se nele? Pretende que a leitura seja uma viagem de descobridor pelo mundo do poeta, como tantas vezes se tem dito, ou, mesmo sem o querer confessar, suspeita que ela não será mais do que um simples pisar novo das suas próprias e conhecidas veredas? Não serão o poeta e o leitor como dois mapas de estradas de países ou regiões diferentes que, ao sobrepor-se, um e outro tornados transparência pela leitura, se limitam a coincidir algumas vezes em troços mais ou menos longos de caminho, deixando inacessíveis e secretos espaços de comunicação por onde apenas circularão, sem companhia, o poeta no seu poema, o leitor na sua leitura? Mais brevemente: que compreendemos nós, de facto, quando procuramos a-preender a palavra e o espírito poéticos?"
(JOSÉ SARAMAGO / "Cadernos de Lanzarote")

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