Amor — pois que é palavra essencial — 
comece esta canção e toda a envolva. 
Amor guie o meu verso, e enquanto o guia 
reúna alma e desejo, membro e vulva. 
Quem ousará dizer que ele é só alma?
Quem não sente no corpo a alma expandir-se
até desabrochar em puro grito
de orgasmo, num instante de infinito? 
O corpo noutro corpo entrelaçado,
fundido, dissolvido, volta à origem
dos seres, que Platão viu completados:
é um, perfeito em dois; são dois em um. 
Integração na cama ou já no cosmo? 
Onde termina o quarto e chega aos astros? 
Que força em nossos flancos nos transporta 
a essa extrema região, etérea, eterna? 
Ao delicioso toque do clitóris, 
já tudo se transforma, num relâmpago. 
Em pequenino ponto desse corpo, 
a fonte, o fogo, o mel se concentraram. 
Vai a penetração rompendo nuvens 
e devassando sóis tão fulgurantes 
que nunca a vista humana os suportara, 
mas, varado de luz, o coito segue. 
E prossegue e se espraia de tal sorte 
que, além de nós, além da própria vida, 
como ativa abstração que se faz carne, 
a ideia de gozar está gozando. 
E num sofrer de gozo entre palavras, 
menos que isto, sons, arquejos, ais, 
um só espasmo em nós atinge o clímax: 
é quando o amor morre de amor, divino. 
Quantas vezes morremos um no outro, 
no úmido subterrâneo da vagina, 
nessa morte mais suave do que o sono: 
a pausa dos sentidos, satisfeita. 
Então a paz se instaura. A paz dos deuses, 
estendidos na cama, qual estátuas 
vestidas de suor, agradecendo 
o que a um deus acrescenta o amor terrestre.
Carlos Drummond de Andrade
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