segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Sobre ano novo e palavras

Escrevo na borda de cada dia. Escrevo do fundo daquele troço que nasce na boca do estômago. Que é isso? São borboletas? "Guts"? (Aqui imagino um Bukowski me dizendo "write with your guts, son") Não sei bem o que é... Sei que dá a sensação de estar vivo. Em meio a tantos dias cinzas, parece uma pincelada de céu azul, quiça com umas pitadas do laranja do poente. E é estranho buscar esse mecanismo invisível que conecta uma palavra à outra e cada uma delas e o todo a certo alguém. Isso existe? Esse caminho desenhado no chão que leva ao céu. Esse fio que atravessa o labirinto. Sei que vem de dentro e afeta a respiração. Sei que é a continuação de pensar os dedos, as unhas, os dentes de um alguém. E existe dia? Existe ano? A terra gira e as palavras brincam de fazer roda, concedem sentido a uma data. Emancipam-se, por vez, da boca, ganham o papel e o pensamento, a tela. Mas voltam, por ventura, aos lábios, à língua e, pronunciadas, se realizam. E há um quê de fantástico nisso. A palavra dita, sussurrada, projetada, mesmo que sem som, por lábios que a embalam com carinho, desejo, quiçá. Lábios desejados que pronunciam palavras com desejo. É um desejo em si mesmo, mas é também um ciclo que se realiza. Palavras, em diversas culturas, guardam poder. Constroem mundos e dão poderes a estrelas que singram os céus. Busco, pois, palavras que procurem significar essa ideia de quase explodir de bem-querer ao pensar alguém. E pensar em ano, como símbolo, como dia, e dia que se projeta à frente, feito palavra, nomeado tempo. Pensar desejo que se apressa e corre na frente, pra encontrar (esbaforido, mãos nos joelhos, sorriso estampado) um rosto almejado. Talvez desejar feliz ano novo possa ser isso. 

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